Como acontece a aprendizagem da leitura e da escrita?

A aprendizagem da leitura e da escrita ocorre de maneira gradual, não sendo um processo natural e programado biologicamente, como acontece com a aquisição da linguagem oral. A linguagem escrita é uma habilidade aprendida e normalmente requer anos de instrução e prática, uma vez que o cérebro do estudante precisa aprender a analisar as formas impressas das palavras, buscar os seus correspondentes sonoros (os fonemas) e acessar seu significado (CASTLES; RASTLE; NATION, 2018).

Muitos teóricos têm formulado suas explicações sobre as diferentes fases, estágios ou etapas da alfabetização. 

Uma teoria amplamente conhecida no Brasil é a da psicogênese da língua escrita de Emília Ferreiro. Embora seja muito influente, estudos mais recentes têm questionado algumas de suas proposições. Segundo Ferreiro (2017), as crianças progridem na alfabetização criando hipóteses sobre como funciona o sistema de escrita e identificando as sílabas como as principais unidades linguísticas. Por isso, propõe a centralidade de um estágio silábico, momento no qual as crianças escrevem uma letra para cada sílaba que identificam em uma palavra.

Entretanto, Cardoso-Martins, em uma série de estudos (2005, 2006, 2008), mostrou que as crianças não parecem focar nas sílabas e nem passar por um estágio silábico, mas sim tentar representar em suas escritas os sons que conseguem identificar nas palavras.

Uma teoria do desenvolvimento da leitura e da escrita que tem sido respaldada por evidências fortes e, portanto, mostrado-se mais eficiente para explicar como as crianças aprendem a ler e escrever, é a proposta de Linnea Ehri (2020).

Segundo Ehri, o desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita ocorre em quatro fases distintas, que avançam de acordo com o conhecimento e uso que as crianças fazem do sistema de escrita.

Na primeira fase, denominada pré-alfabética, as crianças não sabem que letras representam sons e usam pistas visuais para ler e escrever, por exemplo, lembrando-se de rótulos e marcas conhecidas devido às suas cores e formas.

As crianças mudam de fase ao aprender que as letras representam os sons da fala, assim passam a usar pistas fonológicas para ler e escrever palavras. Essa é a fase alfabética parcial.

A próxima fase é chamada de alfabética completa, e ocorre quando os aprendizes completam o conhecimento sobre as relações fonema-grafema e, por isso, passam a escrever palavras de forma mais completa, ainda que não respeitando totalmente a ortografia. Nessa fase, as crianças já conseguem decodificar palavras com autonomia, o que possibilita que leiam muitas palavras e armazenem suas grafias na memória. Isso as leva para a fase alfabética consolidada.

Nessa última etapa, as crianças conseguem ler muitas palavras por reconhecimento automatizado e ler novas palavras decodificando unidades ortográficas maiores que as relações fonema-grafema, por exemplo sílabas e morfemas.

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Referências

CARDOSO-MARTINS, C. Beginning reading acquisition in Brazilian Portuguese. In: JOSHI, R. M.; AARON, P. G. (Org.). Handbook of orthography and literacy. London: Lawrence Erlbaum Associates, 2006. p. 171-187.

CARDOSO-MARTINS, C.; BATISTA, A. C. E. O conhecimento do nome das letras e o desenvolvimento da escrita: evidência de crianças falantes do português. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 18, n. 3, 330-336, 2005.

CARDOSO-MARTINS, C.; CORRÊA, M. F. O desenvolvimento da escrita nos anos pré-escolares: questões acerca do estágio silábico. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 24, n. 3, p. 279-286, 2008.

CASTLES, A.; RASTLE, K.; NATION, K. Ending the Reading Wars: Reading Acquisition From Novice to Expert. Psychological Science in the Public Interest, [S. l.], v. 19, n. 1, p. 5–51, 2018.

EHRI, L. C. The Science of Learning to Read Words: A Case for Systematic Phonics Instruction. Reading Research Quarterly, [S. l.], v. 55, n. S1, p. S45–S60, 2020.

FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 2017.