Porque entender o que realmente funciona na alfabetização infantil é uma urgência educacional — e social.
Por que este tema é urgente
Mais da metade das crianças brasileiras conclui o 2º ano sem saber ler e escrever adequadamente. Segundo dados mais recentes do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB 2023), divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apenas 49,3% das crianças no 2º ano do ensino fundamental estavam alfabetizadas no Brasil. Esse dado, por si só, já seria suficiente para acender o alerta. Mas o problema vai além das estatísticas: ele afeta diretamente o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças — e impacta toda a sociedade.
A boa notícia? A ciência já sabe o que funciona na alfabetização infantil. O desafio agora é levar esse conhecimento até a prática pedagógica.
O que é alfabetização infantil, segundo a ciência?
Alfabetização infantil é o processo de ensino da leitura e da escrita em sistemas alfabéticos nos primeiros anos de vida escolar, geralmente entre 5 e 8 anos, a partir de bases cognitivas, linguísticas e afetivas. Como destaca Sargiani (2022) em “Alfabetização Baseada em Evidências”, esse processo requer compreensão científica de como as crianças aprendem a decodificar o código alfabético.
Segundo as ciências cognitivas da leitura, esse processo não é natural. Como demonstra Stanislas Dehaene em “Os Neurônios da Leitura” (2012), aprender a ler exige ensino explícito, sistemático e baseado em evidências — especialmente nos primeiros anos. O cérebro humano não evoluiu para ler; essa habilidade precisa ser construída através de conexões neurais específicas que se formam apenas com instrução adequada.
Os pilares da alfabetização eficaz, estabelecidos pelo National Reading Panel (2000) e validados por décadas de pesquisa, incluem:
• Consciência fonológica: capacidade de manipular os sons da fala
• Correspondência grafema-fonema: decodificação das relações entre letras e sons
• Fluência de leitura: precisão e velocidade na leitura
• Vocabulário: conhecimento do significado das palavras
• Compreensão de textos: construção de sentido a partir do que é lido
O que funciona de verdade na alfabetização infantil?
1. Instrução Fônica Explícita e Sistemática
Ensinar as relações entre letras e sons de forma direta, com prática repetida e intencional representa o método mais eficaz para alfabetização inicial. O National Reading Panel (2000), maior revisão sistemática sobre ensino da leitura já realizada, analisou mais de 100.000 estudos e concluiu que a instrução fônica sistemática é significativamente mais eficaz que outros métodos.
No Brasil, o Relatório Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências (RENABE, 2019) confirma esses achados, demonstrando que métodos fônicos produzem resultados superiores em comparação com abordagens construtivistas ou globais.
2. Consciência Fonológica na Educação Infantil
Rimas, segmentação de sílabas, aliteração e jogos com sons preparam o cérebro para a leitura ao desenvolver a capacidade de perceber e manipular os sons da fala. Pesquisas longitudinais, como o estudo de Bradley e Bryant (1983), demonstram que crianças que recebem treinamento em consciência fonológica antes da alfabetização formal apresentam desempenho superior em leitura nos anos seguintes.
Isso pode (e deve) começar antes da alfabetização formal — na pré-escola, através de atividades lúdicas e sistemáticas.
3. Leitura em Voz Alta com Mediação
Quando o adulto lê para a criança e faz perguntas, amplia vocabulário e compreensão. O estudo longitudinal de Hart e Risley (1995) revelou que crianças expostas à leitura mediada desenvolvem vocabulário significativamente maior, o que impacta diretamente na compreensão leitora futura.
Estudos brasileiros, como os de Corso e Salles (2009), apontam que essa prática melhora significativamente os resultados escolares futuros, especialmente quando combinada com discussões sobre o texto.
4. Ensino da Escrita em Paralelo com a Leitura
Ensinar as relações entre letras e sons de forma direta, com prática repetida e intencional representa o método mais eficaz para alfabetização inicial. O National Reading Panel (2000), maior revisão sistemática sobre ensino da leitura já realizada, analisou mais de 100.000 estudos e concluiu que a instrução fônica sistemática é significativamente mais eficaz que outros métodos.
No Brasil, o Relatório Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências (RENABE, 2019) confirma esses achados, demonstrando que métodos fônicos produzem resultados superiores em comparação com abordagens construtivistas ou globais.
O que NÃO funciona (mesmo que seja popular)
A pesquisa científica também identifica práticas ineficazes que ainda persistem em muitas escolas:
• Métodos que não ensinam explicitamente como o sistema de escrita funciona: estudos mostram que a “descoberta espontânea” é insuficiente para a maioria das crianças
• Uso exclusivo de textos sem foco na decodificação inicial: sem domínio das correspondências grafema-fonema, a compreensão fica comprometida
• Excesso de ênfase em “letramento” sem ensinar a ler de fato: como demonstra Soares (2004), letramento e alfabetização são processos complementares, mas distintos
A alfabetização não é um dom natural. É uma construção — e deve ser guiada com precisão científica.
Evidências e Resultados: Quando a Ciência é Aplicada
Experiências internacionais demonstram a eficácia de abordagens baseadas em evidências. Na Inglaterra, a implementação do programa “Letters and Sounds” (2007) elevou significativamente os índices de alfabetização. Na França, o retorno aos métodos fônicos sistemáticos resultou em melhorias consistentes nos resultados nacionais.
No Brasil, o programa Vamos Todos Aprender a Ler, desenvolvido pelo Instituto Edube em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tem transformado a realidade da alfabetização em diversas redes públicas. Inspirado no sucesso do programa colombiano “Aprendamos Todos a Leer” – que elevou significativamente os índices de alfabetização especialmente em comunidades em situação de vulnerabilidade social – o programa brasileiro já demonstra resultados expressivos em municípios como Uberlândia (MG), Porto Alegre (RS), Abaetetuba (PA) e Três Rios (RJ), com crianças avançando em leitura real, não apenas em reconhecimento de letras.
Alfabetizar com Ciência é um compromisso com o Futuro
A alfabetização infantil é o alicerce da aprendizagem futura. Pesquisas longitudinais, como o estudo de Cunningham e Stanovich (1997), demonstram que competências de leitura aos 7 anos predizem fortemente o desempenho acadêmico até os 18 anos.
Ignorar o que a ciência já comprovou significa perpetuar desigualdades e desperdiçar o potencial de milhões de crianças. Pesquisas mostram que as lacunas de alfabetização se transformam em lacunas de oportunidades que acompanham os indivíduos por toda a vida, impactando não apenas o desempenho escolar, mas também as perspectivas profissionais e de participação social futura.
Você, educador(a), gestor(a) ou formador(a), pode ser a ponte entre as evidências científicas e a sala de aula. A mudança começa com o reconhecimento de que alfabetizar é uma ciência — e como tal, deve ser tratada com o rigor que nossos estudantes merecem.
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Referências
• Bradley, L., & Bryant, P. E. (1983). Categorizing sounds and learning to read. Nature, 301(5899), 419-421.
• Cunningham, A. E., & Stanovich, K. E. (1997). Early reading acquisition and its relation to reading experience and ability 10 years later. Developmental Psychology, 33(6), 934-945.
• Dehaene, S. (2012). Os neurônios da leitura. Penso Editora.
• Graham, S., & Hebert, M. A. (2010). Writing to read: Evidence for how writing can improve reading. Carnegie Corporation of New York.
• National Reading Panel. (2000). Teaching children to read: An evidence-based assessment of the scientific research literature on reading and its implications for reading instruction. National Institute of Child Health and Human Development.
• Sargiani, R. (Org.). (2022). Alfabetização baseada em evidências: da ciência à sala de aula. Porto Alegre: Penso. 272p.
• Treiman, R. (1993). Beginning to spell: A study of first-grade children. Oxford University Press.