A era da informação e a expansão de avaliações externas, plataformas digitais e pesquisas educacionais trouxeram um volume sem precedentes de dados para a sala de aula. Em paralelo, a defesa de uma educação baseada em evidências — que prioriza práticas validadas por estudos rigorosos — tornou-se central em políticas e programas educacionais em todo o mundo. Nesse contexto, a literacia de dados desponta como uma competência indispensável para professores, pois não se trata apenas de registrar notas ou consultar gráficos: exige a habilidade de interpretar dados de avaliações e compreender resultados de pesquisas científicas para fundamentar as práticas de ensino.
Contudo, ainda é comum que cursos de formação inicial e continuada restrinjam-se a abordagens teóricas ou superficiais, deixando os professores despreparados para julgar a qualidade de evidências científicas ou utilizar dados de forma crítica e construtiva. A incapacidade de ler e interpretar pesquisas ou resultados de avaliações pode fazer com que docentes recorram a modismos pedagógicos sem respaldo ou adotem práticas ineficazes, prejudicando a aprendizagem dos estudantes e ampliando desigualdades educacionais.
Portanto, uma formação docente verdadeiramente baseada em evidências deve ir além de ensinar “o que fazer”: precisa incluir o como entender e avaliar dados e evidências científicas, para que professores se tornem agentes críticos capazes de tomar decisões pedagógicas fundamentadas. Incorporar a literacia de dados e a leitura crítica de pesquisas no currículo de formação inicial e continuada é essencial para transformar dados e evidências em melhorias reais na prática educativa.
Referência
- Sandoval-Ríos, F., Gajardo-Poblete, C., & López-Núñez, J. A. (2025). Role of data literacy training for decision-making in teaching practice: a systematic review. Frontiers in Education, 10:1485821. https://doi.org/10.3389/feduc.2025.1485821
Objetivo do estudo
Realizar uma revisão sistemática para analisar como programas de formação em literacia de dados afetam a capacidade de professores e futuros professores em tomar decisões pedagógicas fundamentadas. O estudo foca em quais estratégias de treinamento melhor preparam docentes para transformar dados em ações didáticas eficazes.
Metodologia
- Revisão sistemática registrada no INPLASY e conduzida conforme o protocolo PRISMA.
- Busca em Web of Science, Scopus e EBSCOhost, abrangendo estudos publicados entre 2014 e 2023.
- Inclusão de 16 estudos quantitativos ou de métodos mistos que avaliaram empiricamente o impacto de formações em literacia de dados na tomada de decisão docente.
- Critérios de inclusão: formação voltada a professores ou licenciandos, com avaliação quantitativa estruturada; exclusão de estudos puramente qualitativos ou teóricos.
Principais resultados
- Formações mais eficazes combinam modelos estruturados de decisão, contextos autênticos (dados reais ou simulados), trabalho colaborativo e acompanhamento de longo prazo.
- Esses elementos aumentaram significativamente a autoeficácia docente e o conhecimento sobre como usar dados para ajustar o ensino.
- Estudos que integraram decisões pedagógicas explícitas à formação tiveram maiores efeitos sobre a prática, enquanto programas que focaram apenas em análise de dados sem vinculação ao ensino apresentaram resultados limitados.
- Houve impacto mais consistente em conhecimentos e autoeficácia do que em atitudes ou crenças sobre o uso de dados.
- Persistem lacunas importantes: poucos programas priorizam o ensino da aplicação dos dados para tomada de decisão; muitos ainda se concentram apenas em ensinar análise estatística.
Instrumentos de avaliação
- O 3D-MEA (Inventário de Autoeficácia e Ansiedade em Tomada de Decisão Baseada em Dados) e o COA-III (Concepções sobre Avaliação) foram os instrumentos mais usados.
- Poucos instrumentos medem diretamente a habilidade de transformar dados em decisões pedagógicas, destacando a necessidade de instrumentos mais específicos e padronizados.
Comentário crítico
O estudo evidencia que desenvolver literacia de dados vai muito além de ensinar professores a fazer gráficos ou calcular médias: envolve prepará-los para interpretar dados de avaliações, resultados de pesquisas científicas e evidências sobre práticas educacionais, para tomar decisões conscientes e eficazes. Uma formação baseada em evidências precisa incluir a capacidade de ler criticamente pesquisas e usar dados para planejar, ajustar e inovar o ensino. Sem isso, dados permanecem como registros burocráticos ou instrumentos de controle, em vez de se tornarem recursos poderosos para melhorar a aprendizagem e reduzir desigualdades educacionais.
Conclusão
A revisão reforça que programas de formação em literacia de dados devem integrar modelos estruturados de decisão, experiências práticas com dados reais e estratégias de acompanhamento para garantir mudanças significativas na prática pedagógica. Além disso, destaca-se a urgência de incluir a compreensão crítica de evidências científicas na formação docente, para que professores possam atuar de forma autônoma, informada e alinhada com uma educação realmente baseada em evidências.